A ineficiente participação popular no planejamento orçamentário municipal
A recorrente falha dos municípios brasileiros na adoção de medidas efetivas para a institucionalização da ciberdemocracia
INTRODUÇÃO
As cortes de contas, em seus relatórios e pareceres, têm destacado de forma recorrente a fragilidade dos mecanismos de participação social na elaboração e execução das políticas orçamentárias locais, revelando um distanciamento entre o ideal normativo de gestão participativa e a prática administrativa observada nos entes municipais.
Essa deficiência, de caráter estrutural e institucional, evidencia-se não apenas na limitação dos instrumentos tradicionais de consulta e deliberação popular como audiências públicas, mas, sobretudo, na incapacidade dos municípios de acompanhar a evolução tecnológica que marca a sociedade contemporânea. Em um contexto em que a comunicação e a interação social são cada vez mais mediadas por ferramentas digitais, a ausência de políticas públicas voltadas à modernização dos canais de participação configura verdadeiro obstáculo à consolidação da democracia participativa em nível local.
Dessa forma, a análise proposta neste trabalho parte do reconhecimento de que o princípio da participação popular, previsto expressamente na Constituição Federal de 1988, não pode ser reduzido a mera formalidade procedimental. Sua efetivação pressupõe a adoção de medidas concretas de democratização do acesso à informação e de ampliação dos espaços de deliberação pública, o que inclui a incorporação das tecnologias da informação e comunicação como instrumentos legítimos de aproximação entre Estado e sociedade.
Nesse contexto, busca-se demonstrar que a ausência de modernização digital por parte dos municípios brasileiros compromete a legitimidade democrática do processo orçamentário e fragiliza o controle social sobre a Administração Pública. A consolidação de uma gestão democrática exige, portanto, que o poder público local avance para além das práticas tradicionais, adotando meios tecnológicos capazes de assegurar uma participação cidadã efetiva, inclusiva e contínua, condição indispensável à realização plena do Estado Democrático de Direito.
DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DO PLANEJAMENTO ORÇAMENTÁRIO
Com fundamento no princípio da participação popular, a Constituição Federal de 1988 instituiu instrumentos de democracia participativa, como a iniciativa popular, o referendo, o plebiscito, as consultas e audiências públicas, além dos conselhos de políticas e serviços públicos. Tais mecanismos evidenciam a intenção do constituinte de consolidar uma cultura política pautada na corresponsabilidade entre Estado e sociedade, garantindo transparência decisória e fortalecendo a legitimidade democrática das ações estatais, orientando-as para a promoção do desenvolvimento social e da justiça distributiva.
No Brasil, na Constituição de 1988, a participação social foi reconhecida como um elemento central na organização das políticas sociais nas áreas de saúde, educação, assistência social, previdência e trabalho, que dialoga com os princípios da democracia representativa e participativa, com vistas a assegurar a presença de variados atores sociais na formulação, gestão, implementação e controle de políticas sociais (DA SILVA et al, 2005). ¹
De acordo com Tenório (2005), a participação contribui não apenas para a democracia, mas também para o fortalecimento da cidadania ativa. No mesmo sentido, Jacobi (1989) assevera que a descentralização é uma possibilidade de ampliação do exercício de direitos, participação e controle das políticas, dividindo o poder pelos variados segmentos sociais. ¹
No contexto do Estado Democrático de Direito, a gestão democrática representa a materialização do direito do cidadão de participar das decisões políticas e administrativas, prerrogativa assegurada pela Constituição Federal de 1988. Trata-se, portanto, da consagração da democracia participativa como instrumento de efetivação da soberania popular, mediante o compartilhamento de responsabilidades entre governantes e sociedade civil.
Tal participação pressupõe dois elementos essenciais: de um lado, o compromisso do gestor público com os ideais democráticos e a transparência na condução da coisa pública; de outro, o amadurecimento da consciência cidadã, indispensável ao exercício do controle social. É o que decorre do art. 1º da Constituição Federal, que estabelece como fundamentos da República a soberania e a cidadania, e dispõe, em seu parágrafo único, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Dessa forma, evidencia-se que a participação popular constitui elemento estruturante do Estado Democrático de Direito, conferindo ao cidadão papel ativo no controle político, social e meritório da Administração Pública, consolidando-se, assim, como verdadeiro princípio constitucional reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência pátrias.
O princípio da participação popular na gestão e no controle da Administração Pública é inerente à ideia de Estado Democrático de Direito, referido no Preâmbulo da Constituição de 1988, proclamando em seu artigo 1º e reafirmando no parágrafo único, com a regra de que ‘todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição’; além disso, decorre implicitamente de várias normas consagradoras da participação popular em diversos setores da Administração Pública, em especial na parte referente à ordem social. ²
E nesse ponto, não se pode estabelecer distinção entre os aspectos até aqui tratados e o planejamento orçamentário dos municípios brasileiros, uma vez que ambos se inter-relacionam sob a mesma lógica participativa e democrática. Tal compreensão é reforçada pelos reiterados apontamentos e julgamentos proferidos pelos Tribunais de Contas em todo o país, que têm destacado a indispensabilidade da efetiva participação popular na formulação e execução das políticas orçamentárias municipais.
Enquanto princípio constitucional inerente ao Estado Democrático de Direito, a participação popular constitui fundamento essencial para a elaboração do planejamento orçamentário. Sua observância impõe-se a todos os entes municipais, independentemente de sua dimensão territorial ou capacidade administrativa. Mais do que mera formalidade procedimental, trata-se de um dever estatal de efetivar e incentivar a participação social, garantindo que o processo orçamentário reflita as reais demandas da coletividade.
No Brasil existe um planejamento integrado, conhecido como “processo de planejamento do orçamento”, que se substancia nos seguintes instrumentos: plano plurianual (PPA), lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e lei orçamentária anual (LOA), os quais foram criados com a finalidade de determinar as ações a serem realizadas pelo poder público, escolhendo as alternativas prioritárias de acordo com os meios disponíveis para execução (Kohama, 2010). ³
O processo de planejamento orçamentário possui fundamento constitucional que assegura a transparência e, consequentemente, viabiliza a participação popular, dado tratar-se de matéria de interesse coletivo. Assim, mostra-se plenamente coerente que os atores sociais detenham a prerrogativa de intervir em sua formulação, direito consagrado em diversos diplomas legais e concretizado por meio de distintos instrumentos participativos, que serão adiante examinados.
Para isso, as etapas do processo orçamentário precisam ser devidamente informadas e publicadas com qualidade e facilidade de entendimento a todos os cidadãos, ou seja, o texto deve ser compreensível para os cidadãos. Também é necessário aproximá-los dos debates e discussões, estimulando a participação no controle do planejamento e das ações da gestão pública (Salles, 2010). ³
Com efeito, a transparência e a participação popular no processo orçamentário brasileiro encontram-se expressamente garantidas no ordenamento jurídico. Nos termos do art. 48, §1º, da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a transparência da gestão fiscal é assegurada, entre outros meios, pelo incentivo à participação popular e pela realização de audiências públicas durante as etapas de elaboração e discussão dos planos, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e dos orçamentos anuais.
Todavia, a participação popular não deve ser reduzida a mero cumprimento formal de exigência legal. Trata-se, antes, de mecanismo essencial de legitimação democrática da gestão pública, destinado a propiciar o efetivo engajamento dos cidadãos na definição das prioridades governamentais, principais destinatários das políticas e serviços públicos. Sua concretização se dá, sobretudo, por meio da presença ativa e colaborativa da sociedade nas audiências públicas, espaços nos quais se consolidam o diálogo e o controle social sobre a condução orçamentária estatal.
DA PARTICIPAÇÃO POPULAR
Ano após ano, observa-se a evolução do Poder Público em sua forma de administrar, com a gradual superação do modelo de democracia estritamente representativa em direção a uma democracia cada vez mais participativa. Dessa transformação decorrem diversas previsões normativas que asseguram e estimulam a atuação direta do cidadão na Administração Pública, fortalecendo o controle social e a legitimidade das decisões governamentais. Nesse sentido, com a percuciência costumeira acerca do tema, Adilson de Abreu Dallari destaca que
A participação popular nos assuntos da Administração Pública não é uma benesse ou uma gentileza de determinadas autoridades, mas, sim, tem fortes raízes constitucionais, a partir de seu primeiro artigo, o qual afirma que todo o poder emana do povo, que o exerce através de representantes ou diretamente. Em compensação, a participação popular no planejamento urbano está definitivamente consolidada. A Constituição Federal, art. 29, inciso XII, tornou obrigatória a cooperação das associações representativas de segmentos da comunidade local no planejamento municipal. Essa obrigatoriedade foi reforçada pelo Estatuto da Cidade (Lei n 10.257, de 10.07.2001) e, atualmente, já é condição de validade dos Planos Diretores, havendo já decisões do Poder Judiciário anulando planos elaborados sem participação popular. ²
Na Lei nº 10.257/01, a exigência de participação popular restou suficientemente atendida com os três incisos do artigo 40, parágrafo 4º, e nos cinco incisos do artigo 43, do Estatuto das Cidades, bem assim em seu artigo 44, que cuida da gestão orçamentária participativa, a qual inclui “a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.”.²
Isso significa que sem a promoção prévia de debates, audiências e consultas públicas na cidade, no processo legislativo de elaboração de leis orçamentárias em âmbito municipal, estará eivado o mesmo de vício formal e, consequentemente, sujeito a arguição de sua ilegalidade. E como forma de garantir seu cumprimento e fiscalização da gestão democrática, que deve considerar o bem-estar do povo, os anseios e as necessidades da comunidade, há o comando inserto no artigo 45, onde “Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania”.²
A criação e o fortalecimento de espaços públicos de participação são essenciais para o combate à corrupção, a dominação na gestão da coisa pública, bem como para se promover a redução das desigualdades, a inclusão social e para a tão necessária formação de um sentimento de pertencer àquela comunidade, àquela sociedade.²
A cultura da participação popular na gestão das cidades é imprescindível para se conseguir efetivar uma política urbana que garanta melhores condições de vida à população e que, de fato, promova um desenvolvimento sustentável, inclusivo, voltado para a redução das desigualdades sociais.²
A participação amplia a transparência e a visibilidade das deliberações, democratizando o processo decisório, bem como confere maior expressão e visibilidade às demandas sociais, promovendo mais equidade e igualdade nas políticas públicas, sendo apta a promover a ampliação de direitos tendo em vista o interesse público, na medida em que permeia as ações do Estado em suas várias formas associativas.¹
Todavia, a efetividade desses mecanismos participativos encontra limitações práticas, pois depende do desenho institucional adotado, das regras estruturantes do processo, dos recursos disponíveis e das relações de poder que permeiam sua execução. Nesse sentido, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tem reiteradamente apontado deficiências na implementação dos instrumentos de participação popular, especialmente na elaboração das peças orçamentárias municipais, o que compromete a legitimidade democrática do processo.
A aferição do grau de aderência aos princípios que orientam a participação social é indispensável para compreender o comportamento das instituições frente às realidades locais e seus reflexos nos resultados das políticas públicas. A inexistência de garantias de igualdade na participação compromete a própria finalidade do processo participativo, conduzindo a decisões enviesadas e excludentes, afastadas dos princípios democráticos que inspiraram a criação desses instrumentos e, por conseguinte, frustrando sua razão de ser.
DOS INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR: AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS
No Brasil, o processo de democratização deu azo a diversos arranjos institucionais para a ampliação da participação social, de maneira que a qualidade destes processos pode ser associada a várias dimensões, como os desenhos institucionais e o contexto em que exercem suas atividades (ALMEIDA et al, 2011).¹
É importante esclarecer, contudo, que a participação social pode ocorrer enquanto representação social junto às instâncias decisórias, como reafirmação do princípio de democracia participativa, mas também na execução de políticas públicas.¹
Enquanto reafirmação dos princípios da democracia participativa, a participação social é representada pela atuação de múltiplos atores nos processos de demanda, formulação, implementação e controle das políticas públicas, ou seja, é representada pela pluralidade de atores nos processos decisórios do Poder Executivo. A participação, prevista constitucionalmente como um canal de democracia participativa, foi institucionalizada por meio de conselhos e outras instâncias participativas (DA SILVA et al, 2005).¹
Por outo lado, a participação social também pode assumir a forma de execução de políticas públicas por atores da sociedade civil, como movimentos sociais e organizações não-governamentais (ONGs), sob uma ideia de protagonismo destes grupos em relação à atuação estatal (DA SILVA et al, 2005).¹
A análise da participação social pode, ademais, ser compreendida em três níveis: como controle da qualidade dos serviços prestados; como definição das prioridades de bens públicos futuros; e como politização das relações sociais na construção de espaços públicos para a formulação de políticas públicas (MILANI, 2008, p. 559).¹
O Estado Democrático de Direito tem como característica a participação direta, pela qual o particular pode influenciar na gestão e controle das decisões do Estado, como resultado do princípio democrático. Nesse sentido, instrumentos de participação, como as audiências públicas, são resultado da exigência da presença direta da sociedade civil na tomada de decisões como consequência da democracia representativa (SOARES, 2002).¹
No entendimento de Gordillo (1996, p. 454), a participação dos administrados nos processos decisórios da Administração Pública constitui expressão de sabedoria política e, ao mesmo tempo, uma garantia objetiva de razoabilidade. Tal participação assegura ao cidadão a percepção de que o Estado atua de forma proporcional, com respaldo fático e juridicidade, além de representar mecanismo de consenso social quanto à legitimidade e à conveniência da ação administrativa. Ademais, traduz-se em instrumento de transparência, democratização do poder e efetivação da cidadania no âmbito do poder público.¹
A realização de audiências públicas assegurara o exercício da cidadania e o respeito ao devido processo legal, caracterizando-se pela oralidade e pela abertura ao debate público de matérias de interesse coletivo, conferindo, assim, legitimidade e transparência às decisões administrativas. Configurando relevante forma de participação e controle social sobre a Administração Pública, em consonância com os princípios do Estado Democrático de Direito.¹
Dentre as vantagens da audiência pública estão o fato de que este instrumento pode evidenciar a intenção do administrador de produzir a melhor decisão, incentivar o consenso em torno da decisão adotada, demonstrar o cuidado com a transparência dos processos administrativos e aperfeiçoar o diálogo entre os agentes políticos e os eleitores (NETO, 1997).¹
Contudo, o conceito de diálogo entre Administração e administrados tem se transformado à luz das novas dinâmicas sociais. A realidade contemporânea, fortemente marcada pela tecnologia e pela comunicação digital, impõe uma releitura das formas de participação popular. As redes sociais e as plataformas digitais passaram a constituir espaços legítimos de expressão e interação cidadã, nos quais a população manifesta de forma direta e contínua suas percepções, críticas e contribuições em relação à atuação do poder público, demandando dos entes estatais e dos órgãos de controle uma adaptação a essa nova configuração participativa.
A INTERNET E O NOVO CENÁRIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR
As interfaces digitais têm ganhado espaço e se tornado objeto de atenção no contexto da administração pública. Segundo Medeiros e Guimarães (2004) inferem que a Internet seja a ferramenta que possa ajudar mercado, sociedade e governo a interagirem melhor:
A Internet vem se consolidando como instrumento de crescimento econômico, alcançando dimensões dificilmente previsíveis anos atrás, seja como novo meio de organização das empresas, seja como mecanismo de universalização do acesso da população a bens culturais, razões pelas quais os países vêm discutindo, cada vez mais, a aplicação das TIC na administração pública (MEDEIROS; GUIMARÃES, 2004, p. 59).4
A arquitetura da Internet, aliada às ferramentas de interação digital, tem viabilizado uma nova agenda de ações políticas, potencialmente configuradora de um modelo ampliado de desenvolvimento dos processos democráticos. Essas tecnologias favorecem a criação de novos canais de comunicação entre Estado e sociedade, além de propiciarem formas inéditas de articulação da sociedade civil em torno de interesses coletivos.4
Tal realidade tem produzido profundas transformações nas dinâmicas sociais e nos processos políticos contemporâneos. A Internet e as plataformas digitais constituem um ambiente interativo e participativo, que amplia o acesso à informação e redefine as relações entre os atores sociais. Esses instrumentos possibilitam novas formas de organização, deliberação e mobilização cidadã, democratizando o debate público e o acesso às decisões estatais. Hoje, por exemplo, é plenamente viável acompanhar a tramitação e o conteúdo integral de projetos de lei, sem intermediação dos meios tradicionais de comunicação, e participar de discussões públicas com indivíduos de diferentes localidades, faixas etárias e orientações políticas.
A democracia digital pode ser entendida como uma extensão do modelo de democracia representativa, auxiliando o controle social sobre a Administração Pública, conceituando-se como:
Qualquer forma de emprego de dispositivos (computadores, celulares, smartphones, palmtops, ipads...), aplicativos (programas) e ferramentas (fóruns, sites, redes sociais, medias sociais...) de tecnologias digitais de comunicação para suplementar, reforçar ou corrigir aspectos das práticas políticas e sociais do Estado e dos cidadãos, em benefício do teor democrático da comunidade política Gomes (2011, p. 28).4
Diante desse contexto, começam a surgir, no Brasil e no mundo, os primeiros modelos de exercício da ciberdemocracia, ou seja, maneiras de tornar possível o debate de questões públicas em ágoras digitais, possibilitando ao cidadão a participação no processo democrático de forma ativa, com a fiscalização do poder público.5
A crise de representatividade observada no Brasil evidencia a necessidade de adoção de mecanismos que promovam ampla participação popular e permitam a intervenção direta da sociedade nas políticas públicas que a afetam. Nesse contexto, a ciberdemocracia surge como instrumento contemporâneo de controle social, viabilizado por meios tecnológicos, capaz de fortalecer a fiscalização cidadã da atuação governamental e de ampliar a legitimidade democrática das decisões estatais.
A democracia eletrônica, efetivada por meio das novas tecnologias, reforça o ambiente de participação pública frente ao governo, com o objetivo de aumentar a interação entre governo e cidadãos, eleito e eleitorado, permitindo a participação da esfera civil mediante votações eletrônicas, referendos, plebiscitos e coleta de opiniões em meio ao ambiente virtual. O uso das tecnologias digitais da informação, em um ambiente democrático, garante a participação pública e igualitária dos indivíduos, demonstrando o caráter legítimo da esfera democrática e a possível institucionalização da opinião pública no espaço público midiático.
A maior liberdade na transmissão e na interação das informações entre o governo e a sociedade, a inteligência coletiva entre os cidadãos, novas formas de participação políticas, congregações virtuais, constituição de debates públicos e posicionamento da opinião pública por meio das novas tecnologias conduzem a democracia a uma nova formulação: o ambiente ciberdemocrático.5
Essa nova configuração comunicacional no plano democrático impõe aos entes municipais o dever de aprofundar e qualificar o uso dos meios digitais como instrumentos de fomento à participação popular e de fortalecimento da transparência administrativa. A transformação digital do poder público local não pode se limitar à disponibilização de canais tradicionais de comunicação, como e-mails, formulários ou ouvidorias. É necessário que os municípios institucionalizem o avanço proporcionado pelas tecnologias da informação, ampliando o alcance informacional e criando ambientes digitais capazes de integrar a participação física e presencial a mecanismos virtuais estruturados, de modo a assegurar a aferição efetiva dos anseios sociais e a deliberação pública qualificada.
Aos órgãos públicos, principalmente aos municípios – o ente de acesso inicial da população – é necessário o aprofundamento de meios tecnológicos que assegurem a participação cidadã de forma técnica, inclusiva e verificável. Tais instrumentos devem servir não apenas para dar publicidade aos atos administrativos, mas também para consolidar um canal permanente de diálogo entre governo e sociedade, capaz de fortalecer o controle social, aprimorar a gestão pública e conferir maior legitimidade às decisões governamentais.
O ambiente digital, quando devidamente institucionalizado e regulado, permite ao poder público municipal alcançar maior eficiência, transparência e responsividade, concretizando os princípios constitucionais da publicidade, moralidade e participação popular na administração pública. Assim, a adoção estratégica das tecnologias da informação e comunicação representa não apenas uma modernização administrativa, mas um imperativo democrático voltado à efetivação de uma gestão pública mais aberta, colaborativa e orientada ao interesse coletivo.
CONCLUSÃO
A participação popular, mais do que mero cumprimento formal de exigências legais, constitui instrumento essencial de legitimação das decisões estatais, de aprimoramento das políticas públicas e de fortalecimento da cidadania ativa. Ao se concretizar no âmbito municipal, esse princípio consolida a gestão democrática do planejamento orçamentário, firmando-se como um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito.
O planejamento orçamentário municipal, conforme estabelece a Lei de Responsabilidade Fiscal, representa um espaço institucionalizado de participação cidadã, destinado a promover o diálogo entre Estado e sociedade. Nesse contexto, a transparência e o controle social configuram-se como condições indispensáveis à boa governança pública. A realização de audiências públicas e outros instrumentos de consulta popular não se limita a uma exigência normativa, mas traduz a efetivação prática dos princípios republicano e da soberania popular.
Não obstante, os recorrentes apontamentos dos Tribunais de Contas têm evidenciado a fragilidade da participação popular no processo orçamentário municipal, seja pela ausência de políticas efetivas de incentivo à participação, seja pela carência de meios adequados que possibilitem o engajamento real dos cidadãos. Tal deficiência contrasta com a realidade social contemporânea, marcada pela ampla digitalização das relações humanas e pelo avanço das tecnologias de informação e comunicação.
Nesse cenário, observa-se que muitos municípios brasileiros permanecem alheios à incorporação das potencialidades da era digital, negligenciando a inserção da denominada ciberdemocracia, nova dimensão da democracia participativa, em seus processos decisórios. Essa transformação impõe aos entes públicos, especialmente aos municipais, o dever de modernizar e ampliar seus canais de comunicação e participação, institucionalizando o uso de meios digitais como instrumentos legítimos de deliberação pública e de controle social.
A integração entre a democracia participativa e a democracia digital representa, portanto, um caminho indispensável para o fortalecimento da gestão pública local, tornando-a mais inclusiva, transparente e eficiente. Ao adotar as tecnologias digitais como meio de aproximação entre governo e cidadão, o poder público municipal não apenas concretiza os princípios constitucionais da publicidade e da moralidade administrativa, mas também reafirma o compromisso com a consolidação de uma cultura política genuinamente democrática, na qual o orçamento público se traduza em reflexo autêntico das necessidades e aspirações da coletividade.
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Autora: Mayne Cubero
O presente artigo foi elaborado em colaboração dos sócios-fundadores do Grupo MetaPública, os diretores João Caetano Neto e Adilson Maia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
¹ Efetividade das audiências pública como mecanismo de participação social: o caso da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Dominic Bigate Lourenço e Wilson Marques Vieira Júnior. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/nausocial/article/view/33896/19658. Acesso em 12/10/2025.
² Desafio da observância da participação popular no planejamento urbano municipal: um estudo exploratório da necessidade de provocação do Poder Judiciário para sua efetividade. Vera Angrisani. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/CadernosJuridicos/cj_n51_ii_07_desafio_observancia_participacao.pdf?d=637123526750471257. Acesso em 12/10/2025.
³ O Controle de Efetividade da Participação Popular nas Audiências Públicas nos Municípios Brasileiros. José Paulo Nardone. Publicado no Cadernos da Escola Paulista de Contas Públicas, 2º semestre de 2024. Disponível em: https://www.tce.sp.gov.br/epcp/cadernos/index.php/CM/article/view/296. Acesso em 12/10/2025.
4 Influência da participação popular em interface digital na proposição de leis estaduais. Giovani da Silva Ladinho Junior e Simone Cristina Dufloth. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rk/a/zr9f745rrThLp5L9yNk7fct/?lang=pt. Acesso em 12/10/2025.
5 CIBERDEMOCRACIA E A CRISE DE REPRESENTATIVIDADE NO BRASIL: a pluralidade de vozes no ambiente democrático. Vinicius Holanda Melo e Newton de Menezes Albuquerque. Disponível em: https://www.unifor.br/documents/392178/3101527/Vinicius+Holanda+Melo.pdf/e446b2ed-681a-c6bf-90b4-179a217b5f44. Acesso em 12/10/2025.
A participação popular em municípios de pequeno porte: alcances e limites, a partir da experiência metodológica da revisão do plano diretor do município de Doutor Camargo - PR. Revista Brasileira de Planejamento e Desenvolvimento. Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/rbpd/article/view/14059. Acesso em 12/10/2025.
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